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Prestes Joao

·    Havia noticias de um reino cristão no Oriente, mas faltava localizá-lo ...

 

Origem da nome e da lenda

do Preste João das Índias 

«Presbyter Joannes, sie enim eum nominare solent ...  (de uma Crónica do século XII).

 

 

 

Por Samuel Schwarz 

A lenda do Presbyter Joannes (ou Johannes) dos cronistas antigos, ou Prestre Jehan dos velhos escritores franceses, ou ainda Preste João, nome que se popularizou em Portugal, teve o dom de apaixonar, desde os tempos mais remotos, toda a Europa crista, mas em nenhum outro pais a sua fama atingiu tanta nomeada corno em Portugal. Tal crença chegou ao auge no reinado de D. João II e este monarca, em cujo peito palpitava a ânsia das descobertas, herdada do Infante de Sagres, lançou-se denodadamente “em demanda do Preste João”, em cuja existência todos acreditavam, mas de que ninguém conhecia 0 paradeiro, asseverando-se, apenas, que era situado algures no longínquo Oriente. Alegava-se que o Preste João, príncipe cristão num continente gentílico, dominava sobre as três Índias e sobre diversas outras nações, entre as quais, as dez perdidas tribus de Israel... (1).

Como é sabido, D. João II não costumava correr atrás de quimeras. Homem perspicaz e essencialmente pratico, se tomou a decisão de descobrir e desencantar o misterioso Preste, foi porque - citando a expressão de João de Barros – “parecia a El Rey que per via deste (Preste João) podia ter alguma entrada na índia”.

A procura do Preste João era, pois, o meio, e a Índia, com as suas riquezas especiarias, o fim almejado.

 

Com o espírito empreendedor que lhe era próprio, D. João lançou-se à procura. Enquanto Bartolomeu Dias buscava o Preste João na costa Ocidental da África, dois frades missionários foram à sua procura ao Próximo Oriente.

Pelas informações obtidas dos navegantes, D. João soube que “a vinte luas de jornada do reino de Benim para o sol nascente” reinava o grande Ogane, a quem muitos reis pagavam tributo e que costumava brindar os visitantes com umas cruzes de metal facto que prova ser este rei cristão (2).

 Convocou D. João os seus matemáticos e cartógrafos, que calcularam que o reino de Ogane ficava ao sul do Egipto.

Quanto aos dois frades, nenhumas informações conseguiram obter acerca do Preste João. Alias, não ultrapassaram Jerusalém e, desconhecendo por completo a lingua árabe, desistiram da continuação da viagem, regressando desanimados à pátria.

 

(1) - Conde de Ficalho, Viagens de Pedro da Covilhan, Lisboa 1898, pag. 4.

(2) - Elaine Sanceau, Em demanda do Preste João, Porto 1941, pags. 25/26. 

 

Descoberta do Preste João por Pero da Covilhã

Não era D. João II homem para desanimar, pelo que, em 1487, despachou novos emissários, desta vez dois moços laicos, enérgicos e experimentados, que falavam correntemente o arábico e já tinham servido o rei no desempenho doutras missões em terras mouriscas : Pero da Covilha e Afonso de Paiva, ambos, segundo tudo leva a crer, de descendência judaica.

Como se sabe, Afonso de Paiva, por ter morrido durante a viagem, não chegou a desempenhar papel algum nessa importante missão, ficando todo o labor de investigar e descobrir o paradeiro do :Preste João e assim, também, as possibilidades do comercio e do caminho marítimo para a índia, a cargo de Pero da Covilhã.

Com rara perícia e inesgotável energia, Pero da Covilhã, disfarçado de mouro, conseguiu captar a confiança dos comerciantes árabes, acompanhando-os e desvendando todo o seu complicado sistema do comercio das especiarias e as rotas que levavam desde a Índia até ao Cairo, onde a preciosa carga era transbordada para batelões venezianos. De regresso da Índia, Pero da Covilhã foi estudar, na costa oriental do continente africano, a possibilidade do caminho marítimo para a Índia, fazendo chegar ao rei D. João todas essas preciosas informações por intermédio de dois judeus portugueses, Rabi Abraham de Beja e Joseph de Lamego, que o rei mandara ao Cairo à sua procura.

Faltou-lhe apenas, para cabal cumprimento da sua incumbência, descobrir o Preste João, e Pero da Covilhã, apos a sua fatigante missão a Índia, empreendeu, logo a seguir, a difícil e perigosa escalada das serranias da Etiópia “em demanda do Preste João”. Não tendo, com efeito, encontrado vestígio algum da existência da qualquer reino cristão na Arábia ou na Índia, o lendário reino do Preste João não podia, pois, ser outro que não fosse o reino cristão da Abissínia, para, onde ia dirigir-se e onde chegou em 1494. Pero da Covilhã foi, pois, o primeiro português que penetrou na Abissínia, cujo monarca, o Negus Alexander, Leão de Judá, o recebeu de braços abertos e ... cerrados, pois não mais o deixou regressar a Portugal 

Dada a indomável energia de Pero da Covilhã e a temeridade e habilidade de que deu sobejas provas durante todas as suas arriscadas e perigosas digressões pela Arábia, Índia e continente africano, é difícil explicar o facto de nunca ter tentado regressar à pátria só pela razão de não poder obter a respectiva autorização do Negus.  Aliás, Pero da Covilhã gozava na Abissínia de uma vida de liberdade e de bem-estar, podendo facilmente escapar-se, se assim o entendesse. Calculamos, pois, que devia existir, alem da oficialmente alegada proibição do Negus, ainda outra razão de peso que 0 levava a não regressar mais a Portugal. Qual teria sido essa razão? A admitirmos a origem judaica de Pero da Covilhã, hipótese aliás, muito provável, poder-se-ia procurar essa razão na politica anti-judaica que começou a aplicar-se em Portugal no reinado de D. João II e que no reinado seguinte, produziu o Decreto da expulsão dos judeus de 5 de Dezembro de 1496 e o massacre dos cristãos novos em Lisboa de 1506.

Todavia, no seu voluntário exílio na Abissínia, Pero da Covilhã nunca deixou de trabalhar a favor da sua querida pátria portuguesa e foi graças às suas diligencias que a Abissínia enviou a Portugal o seu primeiro embaixador, o arménio Mateus, que apôs uma viagem muito demorada e cheia de peripécias, de que reza a Historia, chegou a corte de D. Manuel em 1512 (3).

( 3) - Mateus é considerado com efeito, como tendo sido o primeiro embaixador da Etiópia que veio para Portugal. Descobriu-se, porem, recentemente, na Chancelaria de D. Afonso V, um' enigmático documento no qual se menciona certo Jorge «embaixador do Preste João», que teria vindo para Portugal em 1452. Todavia, nada mais se sabe acerca deste misterioso embaixador, a quem nenhum cronista coevo se refere.

A primeira embaixada portuguesa na Etiópia, chefiada por D. Rodrigo de Lima, também encontrou em Pero da Covilhã, durante os seis anos da sua estada no pais (1520-1526), um auxiliar precioso e dedicado, conforme o testemunho do ilustre cronista da dita embaixada, Padre Francisco Alvares, que consagrou a Pero da Covilhã e à sua acção a favor de Portugal e da sua embaixada, o melhor da sua obra, Verdadeira informação das Terras do Preste João. Pero da Covilhã, que gozava de um grande prestigio na corte do Negus, já devia ter nessa altura cerca de 65 anos, se admitirmos que, a data da sua saída de Portugal, em 1487, incumbido de tão importante missão, tivesse pelo menos uns  25 anos. Resumindo as suas impressões acerca de Pero da Covilhã, o Padre Alvares exprime-se assim: “Este pero de couilham he homem que todas has lingoas sabe que se falar podem, asy de cristãos como mouros & gentios, & que todas has cousas a que ho mandaram soube, & asy dellas da conta como que has tivesse presente”.

Pois, foi este Pero da Covilhã quem descobriu o Preste João!

 

A lenda das Dez Tribos

Regressando, porem, a epigrafe do presente artigo, preguntar-se-ä: qual a origem do nome e da lenda do Preste João? Este problema não é novo e foi já objecto de diversas interpretações, mais ou menos engenhosas, todavia todas pouco satisfat6rias. Confessaremos que a interpretação que vamos apresentar não e da nossa lavra. Respigamo-la numa obra hebraica do erudito polígrafo palestiniano Dr. A. Z.  Aescoly, As Memorias de David Reubeni, (Jerusalém, 1940), obra que já tivemos o ensejo de citar (4).

O Dr. Aescoly atribui a origem do nome e da lenda da Preste João a velha tradição judaica, relativa às perdidas dez tribos de Israel. Trata-se, corno se sabe, das dez tribos do norte da Judeia que, apôs a morte do rei Salomão e por desinteligências com o seu filho e herdeiro, se revoltaram, separando-se do Reino de Judä e formando um novo reino judaico.

Este novo reino, chamado Reino de Israel, com a capital, primeiro, em Tirça, e depois em Samaria, teve uma duração de 262 anos. Foi conquistado, no ano de 718 (A.C.), por Salmanazar, rei de Assíria, que exilou e dispersou toda a sua população israelita pelo vasto império assírio, colonizando o antigo reino de Israel com populações alheias.

Os descendentes das dez tribos de Israel perderam-se e desapareceram da Historia judaica. O exílio, a assimilação e os séculos decorridos dissolveram-nos no meio das outras populações semitas do império assírio, embora se encontrem ainda, nos desertos da Arábia, restos de tribos de beduínos - judeus que se dizem descendentes das dez tribos de Israel.

O povo judaico não pôde de boa mente resignar-se a ideia da perda definitiva das dez tribos mas, geralmente, são os desastres nacionais que constituem o mais, possante alfobre para o desenvolvimento de lendas patrióticas. Foi o que aconteceu com a lenda das dez tribos. Como se sabe, foi no ano 70, da nossa era, que o povo judaico perdeu a sua independência nacional, mas só no ano de 135, apôs a ultima revolta judaica contra o domínio romano, barbaramente jugulada por Júlio Severo, que os invasores romanos chacinaram e expulsaram do seu pais toda a população judaica.

Foi esse desastre nacional que fez brotar na alma indómita do povo judaico a lenda das dez tribos, pela qual se nega que tivessem desaparecido e se afirma que existem intactas e encobertas nalgum pais longínquo e misterioso, de onde virão a aparecer um dia, quando vier o Messias, para reconquistar a Terra Santa e juntar-se, nova e definitivamente, ao resto da nação, num reino judaico restaurado e unido.

( 4) - 0 Sionismo no reinado de D. João III, publicado em “Ver e Crer”, de Março.

E essa lenda judaica das dez tribos de Israel, que durante muitos séculos foi piamente acreditada, não só por judeus, mas também por proeminentes chefes da Cristandade,

A lenda de Preste João deve também a sua origem aos reveses militares sofridos pelas primeiras Cruzadas nas suas guerras pela libertação da Terra Santa do domínio dos sarracenos. Esses reveses deram azo a formação da lenda de que a Palestina há de ser arrebatada aos muçulmanos pela ajuda de um poderoso e misterioso rei, o Preste João, rei Cristão, descendente dos reis magos, encoberto algures no longínquo Oriente. Não se tendo encontrado, parem, nenhum reino cristão no Oriente e tendo surgido na Europa, no fim do século XIV, as primeiras noticias acerca da existência do reino cristão da Abissínia, cujo poder e importância eram muito exageradas, a lenda do Preste João começou a aplicar-se ao Negus da Abissínia.

Eldad o Danita e Benjamin de Tudela

A lenda das dez tribos, alem da sua forte base mística, teve a confirmação inesperada por parte de dois eminentes viajantes e geógrafos da antiguidade.

Um deles era o famoso viajante da segunda metade do século IX, Eldad, da tribo de Dan, chamado Eldad o Danita, que depois de jornadear pela Babilónia, Egipto e África setentrional, apareceu em 883 em Espanha de onde dirigiu às Comunidades judaicas a sua famosa «Carta», da qual existem diversas versões. Nessa “Carta”, Eldad apresenta-se como sendo oriundo da tribo de Dan, uma das dez tribos, de cujo paradeiro forneceu pormenorizadas informações.

Outro afamado viajante da Idade Media que se referiu à existência das dez tribos, foi o erudito geógrafo e escritor hispano-judaico do século XII, Benjamin de Tudela, mundialmente conhecido, e oriundo, como o seu nome indica, de Tudela (Navarra) .

Da sua grande viagem, que durou uns treze anos, ficaram memorias escritas em hebraico, em forma de diário que, infelizmente, não chegaram completas ate a época em que foram impressas pela primeira vez (Constantinopla, 1543).

Benjamin de Tudela descreveu minuciosamente os países e cidades que percorreu e as suas descrições, que tiveram grande nomeada na antiguidade, são ainda consideradas, pelos geógrafos modernos, corno muito exactas e fidedignas, para o estudo da Historia da Idade Media. Não descreveu, porem, apenas os países que percorrera pessoalmente, mas também outras terras onde não esteve e acerca das quais obteve noticias, citando sempre os nomes dos seus informadores.

Deixou-nos assim, por informações alheias, a descrição das rotas das caravanas comerciais para a Índia, Etiópia e China, bem como uma curiosa descrição das dez tribos. O relato que Benjamin nos dá, acerca do paradeiro das diversas tribos israelitas, parece-se bastante com o de Eldad.

Todavia, acerca de um dos reinos judaicos das dez tribos, Benjamin informa-nos que é constituído pelas tribos de Ruben, Gad e meia tribo de Menasse, que está situado no Yemen e é governado pelo rei Hanon (Johan ou João) e pelo seu irmão Salomão, da dinastia real de David.

Benjamin descreveu os habitantes deste reino como dedicando-se, principalmente, a agricultura e a criação de gado, mas sendo também guerreiros, que investiam e guerreavam os povos vizinhos.

O relato de Benjamin, dada a fama universal de que gozou, contribuiu poderosamente para corroborar e reforçar a crença na lenda das dez tribos, não somente entre judeus, corno também no mundo cristão.

Origem e fim da lenda

O Dr. Aeseoly atribui a origem do nome de Preste João  ao nome de Hanon (João) que, nas suas Memorias, Benjamin de Tudela atribui ao rei de um dos reinos das dez tribos, e a origem da lenda do Preste João, corno já dissemos, aos desastres sofridos pelos primeiros cruzados no século XII.

O facto de se dar a um rei o titulo de Preste, prova também uma origem judaica, pelo facto dos reis judeus, depois do regresso do cativeiro da Babilónia, desempenharem simultaneamente, funções sacerdotais. Todavia, compreende-se que, para os cruzados, o Preste João não podia ser rei judeu, mas sim rei cristão, cuja poderosa e decisiva ajuda na reconquista da Terra Santa devia exercer-se, não a favor da nação judaica, mas em prol da Cristandade.

Já dissemos também como no, fim do século XIV e principio do século XV, a lenda do Prestes João começou, à falta de melhor, a aplicar-se à Etiópia.

A descoberta do Preste João abexim, por Pero da Covilhã, causou, porem ipso facto, a morte da própria lenda, porque, em vez de um poderoso reino cristão, capaz de ajudar a Cristandade na sua luta contra os muçulmanos, encontrou-se um povo de negros , bastante atrasado, que não só nenhuma ajuda podia prestar aos reis cristãos, mas necessitava ainda de urgente ajuda militar de fora, para se livrar das constantes investidas dos povos indígenas vizinhos, gentios ou convertidos ao islamismo.

Portugal, que descobriu o Preste João, teve de o ajudar, enviando-lhe um contingente de bravos, chefiado por D. Cristóvão da Gama, que livrou o Negus de uma derrota definitiva.

Esta ajuda, porem, nenhum proveito trouxe a Portugal, que nem sequer pode levar a efeito a conversão dos abexins do seu cristianismo nestoriano para o catolicismo apostólico romano, que, inicialmente, eles próprios pareciam querer. O bom do «Preste João», em paga da ajuda militar que Portugal tão generosamente lhe prestou, mandou chacinar os seus missionários !....

Sic transit gloria mundi! Assim findou a lenda do Preste João !

... E hipotecando as ultimas migalhas, dormindo fora, bebendo e jogando às noites, tornava-se pedante, depravado, amarelo e pulha. - Fialho de Almeida.

Em literatura só há um ultraje: o silêncio. - Jean Lorrain ..

 

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