SAMUEL SCHWARZ
PROJECTO DE ORGANIZAÇÃO
DE UM MUSEU LUSO-HEBRAICO
NA ANTIGA SINAGOGA DE TOMAR
1939
Gráfica SANTELMO
Rua de São Bernardo, 84
L I S BOA
Homenagem respeitosa
Ao Governo Português
Pela fundação do Museu Luso-Hebraico de Tomar e pela alta distinção com que me honrou, concedendo-me a naturalização portuguesa.
Samuel Schwarz
A' memoria da minha saudosa mãe
D. SALOMEA SCHWARZ (Q. D. H)
Falecida em 5 de Agosto de 1938
piedosamente dedico este modesto estudo
A modo de intróito
Para a historia da fundação do Museu Luso-Hebraico de Tomar, publicaremos, antes de abordar o projecto de organização deste Museu, os três documentos seguintes;
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Lisboa 20 de Dezembro de 1938
Ex. mo Sr. Presidente do Conselho e Ministro das Finanças
Excelência
Tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que, tendo sido avisado que a Direcção Geral dos Monumentos Nacionais tem o projecto de aproveitar a antiga Sinagoga de Tomar, do século XV, que me pertence, para ai instalar um Museu Hebraico, resolvi oferecer ao Estado Português a referida Sinagoga.
Com efeito, a instalação de um Museu Hebraico em Portugal não podia encontrar local melhor e mais apropriado do que este monumento, visto que, das antigas sinagogas de Lisboa, Porto e Coimbra nada resta, sendo portanto a Sinagoga de Tomar a única existente em Portugal das sinagogas antigas anteriores à expulsão dos judeus em 1497.
A semelhança do que se fez, em Toledo, na famosa «Sinagoga del Transito», no reinado de Afonso XIII, poder-se-ia instalar em Tomar um Museu Luso-Hebraico enriquecendo-se assim esta linda cidade com mais um valioso atractivo de turismo.
Tendo publicado, em 1923, um estudo intitulado: «Inscrições Hebraicas em Portugal (edição da Associação dos Arqueólogos Portugueses), onde reuni todas as inscrições hebraicas antigas conhecidas em Portugal, aproveito esta oportunidade para por, desde já, os meus fracos préstimos ao. serviço do estado para a efectivação e instalação do projectado Museu.
A Bem da Nação
Eng. Samuel Schwarz
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NOTARIADO PORTUGUEZ
Cartório do notário Eugénio de Carvalho e Silva
Rua de São Julião cento e quarenta e oito
LISBOA
CERTIFICO; Que neste cartório e no livro de notas para actos e contractos entre vivos Numero A. CENTO E TRINTA E DOIS, de folhas setenta e sete e setenta e oito verso, existe lavrada uma escritura do teor seguinte:
No ANNO de mil novecentos e trinta e nove, aos vinte e oito dias do mes de Março nesta cidade de Lisboa e no Ministério das Finanças, Gabinete do Senhor Director Geral da Fazenda Pública, aonde eu, EUGENIO DE CARVALHO E SILVA, Notário nesta cidade, com cartório nesta cidade, na rua de S. Julião, cento e quarenta e oito, vim chamado, aqui perante mim e as duas testemunhas idóneas, adiante nomeadas, cuja identidade reconheço, compareceram:
Como primeiro outorgante 0 senhor Doutor ANTONIO LUIZ GOMES, casado, morador na rua Castilho, numero vinte e seis, outorgando na sua qualidade de Director Geral da FAZENDA PUBLICA, cargo para que foi nomeado por Portaria de dezasseis de Abril de mil novecentos e trinta e quatro em nome e em representação do ESTADO, e;
Como segundos outorgantes os senhores SAMUEL SCHWARZ, engenheiro, e sua mulher Dona AGATA SCHWARZ, proprietários, moradores na rua António Augusto de Aguiar, cento e dezoito, primeiro andar.
São todos os outorgantes pessoas cuja identidade reconheço
Por todos foi dito:
Que os segundos outorgantes são senhores e legítimos possuidores de um prédio, que tem servido de armazém, e que anteriormente serviu a Sinagoga, sito na rua Nova, hoje rua Joaquim Jacinto, na cidade de Tomar, inscrito na respectiva matriz no artigo quinhentos e cinquenta e três, e descrito na Conservatória do Registo Predial daquela Comarca sob o numero seis mil quinhentos e noventa e dois a folhas cento e dezassete verso do livro B dezassete ;
Que o mesmo prédio lhes pertence por ele segundo outorgante o ter comprado a Joaquim Cardoso Tavares e mulher por escritura de cinco de Maio de mil novecentos e vinte e três, outorgada perante o notário Alberto Cardoso Delgado, de Tomar, a folhas quarenta do livro numero oito; estando a transmissão registada a seu favor pela inscrição numero nove mil trezentos e oitenta e oito a folhas cinquenta e oito do livro G quinze da mesma Conservatória;
Que o mesmo prédio esta completamente livre de hipotecas, de penhores e de quaisquer outros encargos ou responsabilidades ;
Que tendo os segundos outorgantes tido conhecimento que o Estado pretendia aproveitar o referido prédio, ou sinagoga, para nele instalar um Museu Hebraico, foi por eles segundos outorgantes, espontaneamente, resolvido oferecer o mesmo edifício ao Estado para aquele fim, nos termos da carta que foi dirigida a Sua Excelência o Senhor Presidente do Conselho e Ministro das Finanças em vinte de Dezembro ultimo; oferta que obteve aceitação e aprovação por despacho ministerial de vinte e um do mesmo mes de Dezembro ;
Que, assim, por esta escritura, em cumprimento da mesma oferta, os segundos outorgantes fazem doação, pura e simples, ao Estado, do referido prédio, com todos os seus pertences, serventias e logradouros; e o primeiro outorgante, em representação do Estado, aceita agradecido, para este a mesma doação, prédio a que atribuem o valor de vinte e cinco mil escudos.
Que, nestes termos, os doadores cedem e transferem para o Estado, donatário, todo o direito, acção e posse que ate hoje aqueles têm tido ao prédio doado, obrigando-se por si, por seus herdeiros e sucessores a fazer esta doação boa, firme e de paz a todo o tempo e a responder pela evicção, o que tudo foi, também aceite pelo primeiro outorgante em nome do Estado.
Assim disseram os outorgantes perante as testemunhas Joaquim Celestino de Sousa Freitas Sampaio, casado, chefe da Repartição do Património, morador na Costa do Castelo, sessenta e dois, e Francisco Augusto Garcez Teixeira, casado, Oficial do Exercito na reserva, morador na Rua Anchieta, numero trinta e um, terceiro andar, ambos nesta cidade, que vão assinar esta escritura com os outorgantes, apondo estes as suas impressões digitais, logo em seguida as respectivas assinaturas, depois de perante todos e simultaneamente ela ter sido lida e explicada em voz alta por mim notário.
ANTONIO LUIZ GOMES
Lugar duma impressão digital
SAMUEL SCHWARZ
Lugar duma impressão digital
AGATA SCHWARZ
Lugar duma impressão digital
JOAQUIM CELESTINO DE SOUSA FREITAS SAMPAIO
FRANCISCO AUGUSTO GARCEZ TEIXEIRA
EUGENIO DE CARVALHO E SILVA, Notário.
Sem emolumentos nem selo conforme o disposto no artigo quatorze do Decreto Numero vinte e quatro mil quatrocentos e oitenta e nove de 13 de Setembro de mil novecentos e trinta e sete - Registada no livro competente sob o Numero dezasseis (externo) E. SILVA,
E CERTIDAO que fiz extrair e vai conforme ao original a que me reporto - Lisboa, aos vinte e cinco dias de Julho de mil novecentos e trinta e nove.
o Ajud. do Not. Eugénio de Carvalho e Silva
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Lisboa 28 de Março de 1939
Ex. mo Sr. Presidente do Conselho e Ministro das Finanças
Excelência
Na ocasião da doação ao Estado da antiga Sinagoga de Tomar, Monumento Nacional do século XV, tomamos a liberdade, minha mulher e eu, de apresentar ao Governo Português a expressão do nosso profundo sentimento de simpatia e gratidão pela acolhedora hospitalidade que desfrutamos desde que, há perto de um quarto de século, em boa hora, estabelecemos o nosso modesto lar neste generoso Pais.
De acordo com a carta de doação de 20 de Dezembro de 1938, tomamos também a liberdade de sugerir ao alto e esclarecido critério de V. Exa. a inclusão, nas próximas realizações para as festas dos Centenários, do estabelecimento do projectado Museu Hebraico na antiga Sinagoga de Tomar, o que representaria não só um valioso beneficio artístico e turístico para essa linda cidade, como também uma obra de cultura, de vasta repercussão mundial para Portugal.
A Bem da Nação
Samuel Schwarz
Agata Schwarz
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Projecto de Organização de um
Museu Luso-Hebraico na antiga
Sinagoga de Tomar
Em consequência da aquisição pelo Estado, em 28 de Março de 1939, da antiga Sinagoga de Tomar, Monumento Nacional, do século XV, com o fim de ai estabelecer um Museu Hebraico, tenho a honra de submeter a apreciação do Governo o projecto seguinte;
HISTORICO
Quando adquiri a Sinagoga de Tomar em 1923, por um mero acaso, tive a ideia de aproveitar este Monumento Nacional para um museu hebraico, a semelhança do que fez o governo espanhol com a antiga e famosa “Sinagoga del Transito” de Toledo, em 1907, tanto mais que, não existindo já nenhum dos edifícios das antigas sinagogas de Lisboa, Porto ou Coimbra, a Sinagoga de Tomar é a única que ficou em Portugal de antes da expulsão dos judeus em 1497.
Comecei por alguns trabalhos de pesquisa e de reconhecimento, mandando retirar, primeiramente, a camada de entulho, que cobria o chão da Sinagoga, guarnecida com um moderno pavimento em cimento. Este aterro foi feito por um dos anteriores proprietários da Sinagoga com o fim de levantar o pavimento do edifício ate ao pavimento da rua, cujo nível deve ter subido bastante desde hei cerca de quatro séculos e meio…
De resto, e possível que o antigo pavimento da Sinagoga tivesse sido construído, desde a primitiva, abaixo do antigo nível da rua, em conformidade com certa tradição religiosa, como sucedeu com a antiga sinagoga de Vilna (Polónia), e outras.
Este trabalho de remoção de entulho do solo da Sinagoga, que teve de vencer, primeiramente, a dificuldade de despejo de um inquilino - um comerciante de Tornar -, que tinha alugado a Sinagoga para deposito de cereais…, era destinado a descobrir as bases das 4 colunas, que constituem - por assim dizer – o centro estético do edifício.
Estas bases estavam escondidas debaixo do entulho, bem como o primitivo pavimento da Sinagoga, e era necessário desobstrui-los.
O desaterro foi realmente muito profícuo, por ter posto a descoberto as bases góticas, muito curiosas, das 4 colunas, que serviram para a determinação da época da construção da Sinagoga, e que foram estudadas pelo meu Exmo. amigo e mestre, o eminente arqueólogo Cor. Francisco A. Garcez Teixeira, no seu interessante folheto: «A antiga Sinagoga de Tomar», Lisboa 1925.
Mais tarde mandei proceder a sondagens nas paredes interiores da Sinagoga e retirar o seu reboco moderno, o que trouxe as descobertas seguintes :
No centro da parede, do lado nascente, encontraram-se vestígios de ter existido ai uma arca ou um armário, que, segundo o ritual judaico, existe em todas as sinagogas e que serve para guardar os rolos manuscritos do Pentateuco, em pergaminho, que os judeus designam pelo nome de «Tora».
Também se encontraram nos quatro ângulos do edifício, a meia altura das paredes, umas bilhas de barro, metidas dentro destas, visíveis a superfície, com os gargalos virados para baixo.
Como, infelizmente, não estava em Tomar quando se deu esta ultima descoberta, dei instruções para que não se tocasse nas ditas bilhas ate a minha chegada.
Quando, porem, cheguei a Tomar, passado uns dias, encontrei as bilhas abertas e partidas pelos operários, que – provavelmente julgavam encontrar ai qualquer tesouro, mas onde, conforme me asseguraram, nada encontraram.
Acredito que assim tivesse sido, visto que estas bilhas, postas quase a flor da parede, já deviam ter sido vistas e violadas, há séculos, apôs a transformação da Sinagoga em Capela católica…
Para que teriam servido estas bilhas ?
Talvez, para a colocação de documentos referentes a fundação da Sinagoga ou da Comunidade Judaica de Tomar; e o facto das bilhas se encontrarem viradas, com a boca para baixo, pode corroborar esta suposição, visto que quaisquer documentos, depositados nestas condições, ficariam preservados da humidade.
De resto, tais esconderijos, chamados em hebraico «Guenizoth" existiam nalgumas sinagogas antigas, como na de Cairo (Egipto) onde se encontraram valiosos manuscritos de Maimonides, que estão actualmente no British Museum.
No caso das bilhas terem sido colocadas vazias, teria a sua colocação obedecido a qualquer principio acústico?
Não sei. Mas em vista do sucedido resolvi parar com as pesquisas ate eu poder ficar algum tempo em Tomar para dirigir os trabalhos e fiscaliza-los pessoalmente.
Tinha pensado executar ainda umas sondagens no antigo pavimento da Sinagoga, principalmente entre as 4 colunas, porque na Sinagoga del Transito de Toledo encontraram-se subterrâneos, contendo objectos do culto hebraico.
Nunca porem, cheguei a realizar estas ultimas pesquisas.
O texto completo deste estudo estara disponivel em breve
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