Föoldal
| | | | | |

Apám, Sczwarc Isucher

Artigo escrito em iídiche por Samuel Schwarz, no dia 15 de Fevereiro de 1948[1]

Em 1949, comemoramos o décimo aniversário da morte do meu pai, Isuchar Moshe Szwarc, pensador judeu esclarecido e de grande renome. Morreu com 80 anos de idade, no dia 27 de Dezembro de 1939, na sua cidade natal de Zgierz, um dia antes do começo da deportação de judeus.

Os alemães queimaram a sua biblioteca que tinha a fama de ser uma das maiores colecções particulares de livros judaicos (em vernáculo diz-se Hebraica). A própria casa foi completamente destruída. Os seus assassinos, não contentes de matar um velho judeu, um num mar de seis milhões de mortos de formas cruéis, também queriam eliminar o conhecimento judaico, destruindo todos os livros, incluindo as casas de judeus que possuíam livros.

No caso do meu pai, de nada os assassinos poderiam ter reclamado. A casa de Isuchar Szwarc em Zgierz era o epicentro da intelectualidade e da Haskalah judaica. Era frequentada por escritores, académicos, líderes comunitários, artistas tais como David Friszman, Sokolow Nachum, Cohen Yaakov, Katzenelson, Nomberg, Glicenstein e muitos outros.

Tu meu querido amigo, meu irmão do povo judeu de Zgierz, convenceste o filho mais velho de Isuchar Szwarc, a escrever algumas linhas sobre o pai e sobre a sua personalidade. Será que é possível a um filho falar do pai sem uma certa dose de reverência ? Poderei eu ser objectivo quando se trata de escrever sobre alguém tão esclarecido quanto Isuchar Szwarc?

Deixem-me dizer-vos, que tendo vivido longe de casa há mais de 50 anos, já não escrevo um iídiche muito correcto. Mesmo se nunca nos esquecemos da nossa língua materna, tive muito poucas oportunidades para escrever em iídiche. Enquanto o meu pai estava vivo, eu correspondia-me com ele em hebraico e com a minha mãe em polaco. Em casa, falávamos iídiche, que na época era uma espécie de "jargão", mas na realidade, nunca escrevi em iídiche.

Diz o Pirke Avot[2] (Ética dos Pais) "Quem relata uma palavra em nome da pessoa que a proferiu, traz a libertação para o mundo." Quero começar por descrever o carácter de meu amado pai com uma citação de um de seus comentários, que muito me ajudou no meu trabalho literário.

Em primeiro lugar qual é a origem da palavra "Marrano", usada para descrever os judeus de Portugal e Espanha, cujas práticas religiosas eram secretas. Qual é, de facto, a origem da palavra "Marrano"?

Tanto em castelhano, como em português, a palavra "marrano" serve para designar o porco e o plural "marranos"  designa  portanto os "porcos". Convêm no entanto notar que em toda a literatura da Inquisição num período de mais de 300 anos e mais de 40.000 julgamentos inquisitoriais, que encontram nos arquivos da Torre do Tombo de Lisboa, o termo "marrano" não aparece, se bem que seja usado comummente pelo povo. Eles são apelidados  de "cristãos-novos" ou simplesmente "judeus" ou "meshumadim"[3] e outros nomes, tais como "hunt"[4].

Isto só prova que o termo não tem origem em Portugal e não tem nada a ver com a palavra "marranen" tanto em castelhano, como em  português. Segundo, o meu pai, o termo "marrano" vem do hebraico "Lemareh Ayin"[5], ou seja alguém que de cristão só tem a aparência.

Não desejo fazer uma lista de todas as ocasiões em que o meu pai me ajudou no meu trabalho, senão teria praticamente que escrever um livro inteiro, mas  deixem-me acrescentar o seguinte. Uma das lápides, que data de 1345 e que está no Museu Luso Hebraico de Tomar, termina com "Bet Nun Tav, que é enterrado neste túmulo".  A que se refere a "Nun Tav Ber"? O meu pai foi capaz de decifrar a inscrição. Ber Nun Tav é uma forma abreviada de "Nafsho Betov Talin" ("Que a sua alma descanse em paz" Psalmo 25,13).

Como já  disse, sou o mais velho dos filhos de Isuchar. O meu pai era apenas 20 anos mais velho do que eu e parecíamo-nos mais como irmãos do que pai e filho. Nasci em Zgierz, em 1880 e o meu pai deve ter nascido, em 1860 ou em 1859, também na cidade de Zgierz.

O pai dele era Hersz Ber Szwarc e a mãe Miriam (de apelido Glicksman).

O meu avô Hersz Ber, de abençoada memória, era um rico comerciante de metais. A minha avó Miriam foi a sua segunda esposa. O meu avô teve quatro filhos da  primeira esposa, todos eles comerciantes de metais. Da  segunda esposa teve apenas um filho, o meu pai Isuchar Moshe[6].

A casa que os alemães destruíram foi construída em vida do meu avô Hersz Ber. A minha mãe Sara (Salomeia), cujo nome de solteira era Glicksman, era uma mulher linda. Era alta, de olhos azuis, cabelos pretos e pele muito clara de leite e de sangue. O meu pai era alto e magro. Era um homem jovem frágil e bonito.

De todos os seus irmãos, ele foi o único a não se tornar num empresário. Dedicou a vida inteira ao estudo. Não julguem que estudou no Ginásio, longe disso. Depois de algum tempo passado num cheder (escola judaica tradicional, onde se aprendem os rudimentos do judaísmo e do hebraico), foi contratado um professor particular para o ensinar. Primeiro, um professor que lhe ensinou a Bíblia e o Talmude e, mais tarde, também estudou alemão, russo e polaco. Acho, no entanto, que se pode dizer que foi um autodidacta.

O facto de usar um caftan comprido, não o impediu de se familiarizar com as obras de Mendelssohn, Heine, Zunz, Luzzatto ou com o trabalho de escritores hebreus da época, como Yehuda Leib Gordon, Mapu e Smolenski. Também sei que conhecia a poesia de Shimen Frug, em russo e a obra "Meir Ezepowicz" de Eliza Orzeszko, em polaco. Era capaz de ler tudo, desde a Bíblia, ao Talmude, passando pelo "Amor de Zion" de Mapu até ao "Shulchan Aruch" (Código de lei religiosa judaica).

Foi nessa época que  começou a montar a sua biblioteca, uma colecção de livros que eram para ele mais importantes do que a própria vida. Muito jovem, com 19 anos de idade, o meu pai casou-se com sua bela e amada prima Sara Glicksman, que tinha apenas 16 anos. Como era costume, o padrasto deu ao meus pais meios de viver durante uns tempos até que  tivessem a possibilidade de escolher um modo de vida. Mas, um ano depois do casamento, o meu avô Glicksman Wolf morreu.

Como a minha mãe era a mais jovem da família, a minha querida mezinka[7] e dado que a minha avó não queria ficar a viver sozinha depois da morte do marido, os meus pais foram morar em casa dela e lá ficaram durante 18 anos, até à sua morte.

Do lado dos meus avós Szwarc ambos faleceram e a casa deles foi legada ao meu pai. A renda da casa permitiu que o meu pai fosse capaz de mandar os filhos estudar no ginásio e eu, como filho mais velho, fui estudar para Paris (1896). Nessa altura o meu pai não tinha problemas financeiros. Podia consagrar todo o tempo ao estudo da "Torah Va'Avoda"[8] e às suas aspirações intelectuais.

A minha ida para Paris foi um verdadeiro milagre, pois o meu pai queria que eu fosse um rabino e queria mandar-me para o seminário rabínico de Berlim[9].  Embora fosse um homem liberal, andava sempre vestido com uma túnica longa (caftan).  Conseguir que deixasse de utilizar a túnica para passar a utilizar um casaco curto exigiu muita coragem. Fê-lo em 1892, durante uma visita a São Petersburgo onde se reuniu com líderes judeus, visitou a biblioteca imperial e se tornou amigo do poeta Yehuda Leib Gordon. No regresso de São Petersburgo, já não usava um longo caftan.

Após a morte da minha avó Zise, a situação financeira do meu pai deteriorou-se consideravelmente. A casa da minha avó onde os meus pais moravam, foi atribuída por herança a um dos meus tios[10].

O tempo durante o qual ele recebia ajuda da família acabou e os meus pais foram obrigados a ir viver na casa que tinham herdado do avô Szwarc. Como eles ocuparam a maior parte da casa, a renda que auferiam com o aluguer baixou nitidamente, ao ponto de não ser suficiente para a vida de todos os dias. O meu pai decidiu nessa altura abrir uma fabrica de fitas de seda. A empresa não durou, porém, muito tempo. Com o incêndio da fabrica  o meu pai perdeu o pouco dinheiro que lhe tinha vindo da herança recente.

Foi nessa altura que uma escola pública de comércio abriu em Zgierz, com os mesmas regalias que um ginásio, embora aceitando crianças judias e sem propinas. Muitos judeus vindos da Polónia e da Lituânia ingressaram nessa escola o que levou os proprietários da cidade a alugarem quartos a estudantes judeus. Meu pai abriu uma pensão, dado que tinha uma casa com muitos quartos.

É claro que todo o trabalho de gestão da casa recaía sobre os ombros de minha mãe, que o fazia com devoção. O meu pai deixou de ter problemas de subsistência e mergulhou de novo nos seus livros e no  trabalho intelectual.

Naquela época, eu estava a estudar em Paris. A actividade de pensão para estudantes continuou por muitos anos até que o governo decidiu transferir a escola de comércio para a Rússia. Nesse momento, eu já tinha começado a trabalhar em Espanha e em África, tendo concluído os meus estudos de engenharia na École des Mines de Paris (1904). Tive, portanto, a oportunidade de ajudar os meus queridos pais e assim retribuir algumas das despesas consideráveis que eles tinham feito para que eu pudesse terminar os meus estudos.

Deste modo, o meu pai foi também capaz de proporcionar uma boa educação a quase todos os meus irmãos, conseguiu casar três das minhas queridas irmãs e prosseguir os seus esforços de propaganda para o renascimento da comunidade judaica polaca, tanto por obra escrita, como através de intervenções orais.

Alguns intelectuais judeus viviam em Zgierz nessa época, e  colaboraram voluntariamente com meu pai nas actividades de propaganda. Entre eles, muito mais velho do que o meu pai, um pitoresco judeu lituano Reb Tovia Lipszicz, um hebraísta bom e o venerável Y. Weicenfeld, judeu galego, especialista em literatura judaica e alemã. O terceiro intelectual de Zgierz, era o jovem, Moshe Eiger, neto do rabino Akiva Eiger[11].

Reuniam-se todas as tardes de Sabat na casinha com um piso de A. Y. Weicenfeld, situada na praça do mercado. Assisti a algumas dessas reuniões.

As actividades do grupo eram sobretudo  de natureza verbal. Só o meu pai publicava de vez em quando artigos no jornal "Ha-tsefirah"[12] e depois no jornal "Ha-yom" (Jornal de São Petersburgo), bem como em jornais em iídish de Varsóvia e de Lodz. Escrevia sob o pseudónimo "Shachor Yam" (Mar Negro). O Y e M eram as iniciais de Yissachar Moshe e Shachor (preto) correspondia a Szwarc.

Os meus pais observavam os usos e costumes ortodoxos. Relativamente ao grau de observância religiosa dos filhos, o meu pai era muito tolerante. No  Sabat e durante as festas religiosas, íamos todos ao Beit Midrash (Centro de Estudos Religiosos), pois o meu pai não ia rezar à Grande Sinagoga, mas à mais democrática Beit Midrash. A minha mãe era mais exigente em matéria de religião e às vezes perguntava-me se eu recitava as minhas orações.

Nunca  esquecerei a minha vergonha quando, depois da  primeira viagem de regresso de Paris para férias, a minha mãe decidiu desfazer a minha mala e me perguntou se tinha rezado todos os dias. Com certeza, respondi eu. Ela examinou o meu saco tefilin[13] e dele extraiu uma moeda de ouro que lá tinha colocado quando da minha partida para Paris. Podem imaginar a minha vergonha, o meu choque e também a minha decepção.

Meu pai era um grande amigo de Nahum Sokolow e do poeta David Friszman, natural de Lodz, mas que vivia em Zgierz. Ia  muitas vezes, a Varsóvia mas quase todos os dias a  Lodz, mesmo antes da construção da linha de eléctrico Zgierz-Lodz.

Antes da chegada do eléctrico, o transporte era feito em carroças puxadas por cavalos, sendo a maioria dos condutores, judeus. A estação das carroças estava localizada no Schule Gasse, muito perto da nossa casa. Havia quatro assentos na carroça e o quinto passageiro devia sentar-se ao lado do condutor.

A carroça só se punha a caminho depois do condutor ter vendido quatro ou cinco bilhetes. O caminho para a antiga cidade de Lodz levava cerca de uma hora e meia. No inverno, com as estradas cheias de neve e gelo, o pobre e magro cavalo  não conseguia superar as encostas e os passageiros tinham de descer e empurrar a carroça durante uma grande parte da viagem.

Meu pai era um pouco alguém que “andava na lua”. Chegava-lhe a acontecer viajar para Lodz, enquanto a família  esperava por ele para o almoço. Bastava encontrar um amigo a caminho de Lodz, e lá ia ele atrás, sem se preocupar com o que diria a família não o vendo chegar para o almoço.

Eu conhecia como a palma da minha mão[14] as 10 verstas[15] que separavam Zgierz de Lodz. Quando a carroça, nos conseguia levar graças a Deus até ao jardim Siebler (não faço a mínima  ideia do nome que poderá ter hoje), ficávamos felizes em estar quase ao pé de Valut[16]. Este é o Valut que os alemães converteram num gueto e, mais tarde num cemitério.

O meu pai veio visitar-me a Paris por duas vezes. Uma vez foi algo de totalmente inesperado. Em Paris, conheceu o famoso Professor Joseph Ha-Levi, o rabino-chefe Zadoque Cohen, Max Nordau, Dr. Marmorek e muitos outros.

Esqueci-me de mencionar que o meu pai era um sionista convicto. Lembro-me quando, há 50 anos, o Dr. Herzl publicou seu "Judenstaat" (O Estado Judeu), o meu pai escreveu-me para Paris dizendo-me "os sonhos dele são os meus".

O meu pai não comia alimentos que não fossem kosher. Quando  esteve em Paris,  tive que ir com ele a um restaurante kosher, no bairro judeu. Quando a minha mãe chegou a Paris para a Exposição Internacional de 1900,  não estava nada satisfeita com o certificado do restaurante kosher, e entrou na cozinha para verificar pessoalmente se a carne tinha sido realmente preparada de acordo com a lei e a tradição. Para o meu pai bastava-lhe o certificado. Ele dizia "Se alguém se chama Gnendel podemos comer o seu Kendel"[17].Tinha percebido que não podia ir comer todos os dias ao bairro judeu, que ficava a duas ou três horas do Quartier Latin, onde os estudantes vivem.

O meu pai era, de uma maneira geral, um homem feliz. Um pouco delicado do ponto de vista físico, porém nunca se queixava e nunca ia ao médico. Não me lembro de vê-lo mal ao ponto de ir à cama. A minha querida mãe tratava dele e os dois viviam felizes e alegres. Quando eu já era um rapaz, o meu irmão mais novo morreu ainda infante.

No entanto, a maior dor e o pior desastre da família foi aquando da morte da minha irmã Miriam (Mania), que tinha 25 anos. Era casada e tinha ido viver para Tel Aviv com o marido, mas  aí morreu de tifo meses depois de lá chegarem. Nessa época as condições sanitárias em Tel Aviv eram péssimas.

Isto não impediu a minha outra irmã, Tzipora, casada com Yechiel Frenkel um famoso líder sionista do Radom, de ir também viver para Tel Aviv. O mesmo aconteceu com o meu irmão Simcha, que se estabeleceu com sua família em Israel, e lá vivem há mais de 20 anos.

São eles os herdeiros  dos sonhos de meu pai e do seu amor por Israel.O meu pai foi um delegado ao Congresso Sionista em Viena, que teve lugar em 1913 e eu, que na altura estava a trabalhar em Espanha, fui lá  visitá-lo. A maior tristeza dos meus pais relativamente aos filhos, foi a história do meu irmão Mordechai,  pintor e escultor famoso, que vive em Paris. Não é nenhum segredo para ninguém, que ele, a esposa e a filha se converteram à religião católica. Pode-se imaginar a dor imensa que isto causou os meus pais. Marek (Mordechai) era o filho amado. Muitas vezes ele ia à Polónia para fazer exposições e pintava e esculpia para os meus pais. Era muito apegado aos meus pais, que o amavam imenso.

A apostasia do meu irmão foi um choque não só para os meus pais, mas para o todo o mundo judaico. Foi algo que aconteceu há 12 anos, de repente sem que ninguém o pudesse prever.  Mesmo hoje ninguém entende a razão de um tal gesto.

O meu pai conseguiu resistir a  um choque tão devastador e inesperado. Tentou ainda convencer o seu filho amado, a quem sempre se referiu, mesmo após a conversão, como Mordechai o Tzadik (A palavra hebraica tsadic (צדיק) designa , literalmente, o homem justo), que ele vivia no erro. Escreveu-lhe palavras vindas do fundo do coração e palavras filosóficas. Tanto eu como os meus irmãos também tentámos convencê-lo de que havia cometido um acto terrível e isso significava uma sentença de morte para os nossos pais. Tudo, em vão. Foi a minha mãe quem mais sofreu e foi para ela o choque   mais devastador, tendo-lhe encurtado a vida. Morreu de repente de um ataque cardíaco. Era três anos mais nova que o meu pai e morreu dois anos antes dele, com a idade de 75 anos,  no dia 5 de Agosto de 1938, sem nunca ter estado doente, num beijo da morte[18], como uma mulher de honra.

Talvez tenha tido a sorte de morrer antes da guerra e não ter testemunhado o assassinato do meu querido pai pelos alemães. Toda a sua vida  foi dedicada ao meu pai, permitindo-lhe viver sem trabalhar, de modo a ser plenamente capaz de se dedicar totalmente ao povo e ao Judaísmo. Merece ser lembrada como um modelo de mãe de Israel. Que sua alma seja para sempre ligada a vida eterna.

Meu pai morreu como um Tzadik, na santificação do nome de Deus. O mesmo destino estava reservado ao meu irmão Hersz Ber e à minha irmã Zosia, que foram mortos com suas famílias no gueto de Varsóvia[19].

O único sobrevivente da minha família que vivia na Polónia na época, David Szwarc o filho mais velho do meu irmão Hersz Ber, foi salvo por um conhecimento polaco meu, que se chamava Stanislas Pielke (viveu em Mokotow , Palencka 3). Ele salvou a vida de David com perigo da sua própria. Gostaria aqui de expressar a minha gratidão e agradecimento, antes que isto seja feito pela comunidade e pela congregação. David[20] mora agora no Canadá com o meu irmão Dr. Aleksander Szwarc. O meu irmão, o Dr. Aleksander Szwarc é um químico de renome, um cientista que se mudou para o Canadá. Pode um dia vir a ser um professor, o que meu pai teria sido se tivesse vivido num país livre.

Eu disse que David Szwarc foi o único sobrevivente da família na Polónia. Depois da guerra o meu cunhado Kazimierz Lewi, voltou da Rússia, mas não conseguiu encontrar nem a esposa, a minha irmã Zosia, nem o seu único filho, que foram gaseados e queimados.

O meu cunhado Yechiel Frenkel[21] de Tel Aviv, é o único que pode ser comparado ao meu pai. Era o alter ego de meu pai com as suas virtudes, educação judaica e o seu amor por Israel onde vive há mais de 20 anos.

Foi ele quem traduziu os meus escritos sobre os Marranos em Portugal, em hebraico no jornal "Ha Yom" (Hoje), em 1926. É a ele  que  me dirijo, como fazia com o meu pai, para o questionar sobre os manuscritos hebraicos que encontro nos arquivos locais.

Eu, o filho mais velho, herdei o amor do meu pai pelos livros, o amor do judaísmo e da história do povo judeu. Foi graças ao meu pai que comecei meu trabalho sobre os marranos. Publiquei um trabalho sobre os seus costumes e orações. Graças a trabalhos de investigação, consegui salvar uma sinagoga do século 15 (Sinagoga de Tomar) e convertê-la, com o apoio do governo português num Museu Luso-Hebraico (Museu Abraão Zacuto). Consegui com os anos montar uma biblioteca de obras em Hebraico muito grande, que deveria estar no Museu Abraão Zacuto. Um dia espero que esta biblioteca, criada por minha esposa e por mim, seja enviada para Israel.

Gostaria também de mencionar o meu trabalho sobre David Reuveni, Molcho Shlomo e o anti-semitismo, que foi publicado em Portugal. Agradeço ao meu reverendo pai que me motivou para fazer esse trabalho. Todos os meus irmãos e o meu cunhado Yechiel Frenkel, todos nós herdámos algumas das qualidades do meu pai. No entanto, nenhum de nós herdou o seu coração de ouro, seu desejo excepcional de fazer o bem, a sua abnegação enorme, o seu conhecimento enciclopédico e sua visão clara.

 

Que a sua alma descanse em paz.

Engenheiro Samuel Szwarc, Lisboa, 15 Fevereiro de 1948

 

 



[1] Partes deste texto foram  traduzidas do iídiche para hebraico por Emek (Emmanuel) Frenkel, em 1991 e posteriormente para inglês em 1999 por Doubi Szwarc. Doubi Szwarc é  bisneto de Isuchar e Emek Frenkel era  seu neto. Jerrold Landau, durante a tradução do Livro de Zgierz Yizkor (http://www.jewishgen.org/yizkor/zgierz/zgi392.html), trabalhou a partir de uma tradução de Doubi e  completou as partes em falta. João Schwarz fez a traduçao do texto de inglês para  francês e português, em 2011.

[2]  Colectânea de sentenças dos sábios  de Israel : http://fr.wikipedia.org/wiki/Pirke_Avot

[3] Apóstata em hebraico

[4] Cães em iídish

[5] Lemareh Ayin significa “aspecto  a vista”. O “Le” é  uma preposição introdutória e se ela cai a frase “mareh ayin” soa como Marrano.

[6] Pronunciar Isuchar com o acento na segunda sílaba

[7] Palavra que significa benjamim em iídish.

[8] A Torah e o serviço divino.

[9] Na altura era um seminário ortodoxo rabínico muito progressista.

[10] Segundo Mary Seeman, trata-se de um dos tios de Mordechai Gliksman ou seja o irmão da sua mãe.

[11] Rabino muito conhecido que viveu de 1768 a 1838 e que escreveu os comentários sobre o Código jurídico Judeu e sobre o Talmud

[13] Saco no qual se guardam os filactérios que devem ser utilizados pelos homens no momento das orações

[14] Como os meus dez dedos.

[15] Unidade de distância Russa, hoje obsoleta e que equivale a 2/3 de uma milha.

[16] Valut refere-se à área de florestas de Baluty, um subúrbio de Lodz. Foi lá que muitos judeus foram exterminados nos primeiros meses da invasão nazi. Mais tarde, essa área passou a fazer parte do gueto de Lodz.

[17] O kendel é uma concha de sopa

[18] O beijo da morte é uma referência à morte de Moisés, que morreu com um beijo divino. Uma morte súbita e indolor é considerada um sinal de favor divino.

[19] Mary Seeman notou que a esposa de Hersz Ber e o filho e Wladek Rysio , tanto como Zosia e seu filho morreram no gueto de Varsóvia. David, pai de Doubi, cujo nome aparece na frase a seguir é o filho de Hersz Ber.  Aleksander Szwarc, mencionado a seguir é o pai de Mary Seeman.

[20] David veio a terminar a vida em Israel

[21] Yechiel Frenkel é o pai de Emek Frenkel.

SZOLGÁLTATÁSOK/TEVÉKENYSÉGEK

Virtuális látogatások
Hasznos linkek
Bolt

 

 

rss